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- Troço 11 | Rio de Onor - Quintanilha
Troço 11 | Rio de Onor - Quintanilha
PERFIL
- Extensão: 28.38 km
- Altitude máxima: 918m (Deilão)
- Altitude mínima: 677m (Quintanilha)
Rio de Onor é talvez a mais emblemática das aldeias nordestinas e pode ter tido origem no povoado medieval de Vinhas Cales, com assento no Cabeço do Codeçal, sobranceiro a poente à atual povoação. Ainda em data recente se podia considerar o último resquício do comunitarismo medieval, traduzido na partilha da terra e dos recursos, na interessante particularidade das trocas de bens e produtos assentes na confiança mútua e na garantia da palavra honrada. Nos dias de hoje, Rio de Onor subsiste ainda como aldeia comunitária. Este regime pressupõe uma partilha e entreajuda de todos os habitantes, nomeadamente na partilha dos fornos comunitários, de terrenos agrícolas comunitários, onde todos devem trabalhar, ou de um rebanho, pastoreado à vez pelos “vizinhos” (vezeira) nos terrenos comunitários.
Com a sua vizinha transfronteiriça Rihonor de Castilla constituía uma insularidade com alguma autonomia económica, muito débil, resultante do aproveitamento esmiuçado da úbere veiga, aqui designada por Faceira, dividida em retalhos equitativos entre o rio e o sopé das vertentes. O casario, alinhado em duas ruas paralelas ao rio, é em alvenaria de xisto simplesmente empilhado, pardo por natureza e sujo do muito uso, com coberturas de lousa e varandas estreitas embarrotadas em castanho e com acesso por toscas escadas de pedra. Assim eram e assim se mantêm as construções originais, que as novas, não contrastando por imposição regulamentar, procuram no recurso a idênticas morfologias e materiais semelhantes, um mimetismo nem sempre discreto e muito menos integrado. De qualquer modo, é-nos grato reconhecer o cuidado que se tem posto na preservação desta aldeia, em claro contraponto com a vizinha espanhola, esforço que se iniciou ainda no Estado Novo, tomando Rio de Onor como uma referência emblemática da tradicional bonomia do povo português. A propaganda cultural, a melhoria do acesso, o desbloqueio fronteiriço e o investimento económico e social permitiram que Rio de Onor, sem prejuízo dos seus valores próprios, acedesse ao séc. XXI.
A saída para Guadramil, por onde prossegue a Rota, faz-se passando um anel de policultura, particularmente expressivo nas povoações mais isoladas, subindo por entre searas e pastagens, entrecortadas por afolhamentos de novos soutos e barreiras densas de carvalho negral nas vertentes mais inclinadas da serra. Nas áreas de pousio e nas pastagens mais agrestes, o mato de urze e giesta forma um coberto rasteiro, deixando apenas a descoberto alguma ravina ou corte recente onde o solo se revela num ocre crestado tão expressivo nas alvenarias xistentas que viu em Rio de Onor.
Ao atingir a cota mais elevada alcança uma das cabeceiras da bacia de apanhamento do rio Maçãs e inicia a descida para Guadramil, percorrendo um extenso lameiro alimentado por um subsidiário daquele rio, a ribeira de Guadramil. Foi este lameiro, que se prolonga além de Guadramil, que esteve na origem da povoação e ainda hoje a mantém com os recursos da sua exploração agrícola – horticultura, fruticultura e pastagens permanentes. Contudo, fora do talvegue, onde se esgotam as ubérrimas veigas, as encostas são pedregosas e o solo é pobre, coberto de mato e carrasco e alguns castanheiros isolados, concentrados apenas em situações mais favoráveis, em plantações recentes que se vão ensaiando para a produção de madeira e de fruto.
Guadramil é uma aldeia pequena, edificada com o mesmo tipo de xisto de Rio de Onor e muito semelhante a esta na tipologia e na arquitetura das construções. Degradada pelo envelhecimento das casas e pelo abandono da população, não chegou a ser objeto de curiosidade como a sua vizinha Rio de Onor, nem a dificuldade do acesso permitiu intervenções ambiciosas que excedessem o quadro dos processos e materiais correntes de construção. Daí que a aldeia conserve ainda, quase intacta, toda a sua fisionomia original, denotando um particular cuidado na recuperação.
Continue para sul, com a ribeira de Guadramil e o seu lameiro a poente, até a estrada se fazer à vertente do planalto de Deilão. Está agora a escassos quinhentos metros da fronteira e com a povoação espanhola de Riomanzanas à vista. A paisagem é marcada por uma sucessão de colinas de cumes arredondados e dominados pelo pinhal, irrompendo uma rede de magros lameiros alimentados pela rede hidrográfica da hemi-bacia de apanhamento do Maçãs. Matos, carrascos e alguns ensaios de souto cobrem as vertentes que as rolas bravas sobrevoam.
Ao chegar ao entroncamento de Petisqueira, um pequeno lugar perdido num alcandor da fronteira, atinge o planalto. As vistas tornam-se mais amplas e a paisagem modifica-se, dominada pela imensidão das searas de trigo, centeio e feno, que no verão, com as suas tonalidades de amarelo dourado, destacam ainda mais a cor vermelha ferruginosa do solo nu, mais rico agora em óxidos de ferro anídricos.
E chega a Deilão, uma povoação pequena que deu nome a este planalto, designado uma das sub-regiões naturais da Terra Fria.
Pelo festo quase impercetível que define a espinha do planalto de Deilão, sobe ligeiramente para logo deixar Vila Meã, mais uma pequena aldeia em tudo semelhante à anterior, com o seu anel de culturas variadas abrindo um pequeno oásis no imenso secadal.
Passada Vila Meã, já de onde a onde, nas vertentes mais abrigadas e com melhor exposição dos afluentes e subafluentes do Maçãs, se vão encontrando pequenas folhas de culturas mediterrânicas, designadamente a vinha. Mas o castanheiro, em plantações recentes rigorosamente compassadas com vista à produção forçada de madeira ou de fruto, é ainda claramente dominante numa paisagem marcada pela vastidão da charneca e das searas.
Ao fim de uma pequena subida está em S. Julião, sede da freguesia de S. Julião de Palácios, onde a estrada se bifurca – à direita continua para Bragança e à esquerda, atravessando a aldeia, a nascente, dirigese para Quintanilha. Povoação dispersa, constituída essencialmente por dois núcleos adjacentes, conserva ainda grande parte da estrutura original. A igreja paroquial é tipologicamente semelhante às da região, de menores proporções e apresenta um pórtico com frontão emoldurado com pináculos rematados por curiosos grotescos relevados na silharia da fachada. Não obstante o recurso ao granito, como sucedeu, aliás, na maioria destas igrejas, o solo é xistoso e pardo, marcando fortemente as alvenarias aparentes do edificado primitivo. Em alguns casos recorreu-se mesma a soluções mistas, como se pode verificar numa curiosa fonte coberta quinhentista, cuja arco estrutural, originalmente de volta redonda, apresenta as aduelas em granito e as alvenarias com empilhamento de pequenas lascas de xisto.
Saia agora da Rota escassos quilómetros para conhecer algumas aldeias das imediações. Continuando a estrada, não percorrerá um quilómetro até encontrar um desvio à direita para Caravela e, logo a seguir, outro à esquerda, que desce para Palácios. Caravela é povoação pequena, mas pela estrada que daí segue para Labiados tem-se acesso ao monte de Agra, em cuja proximidade se encontram vestígios de dois povoados proto-históricos fortificados – o Caracuto do Castro e Cercas.
Palácios é uma pequena povoação agrupada em torno de uma igreja dedicada ao Arcanjo S. Miguel, cuja imagem está meritoriamente pintada a têmpera numa das suas paredes exteriores. Do edificado, ressalta logo à entrada uma casa de dimensão avantajada, oitocentista, com um desmesurado pilar de alvenaria a sustentar um coberto. Merece referência, contudo, um pequeno Museu Rural, de iniciativa privada, instalado num antigo lagar, pejado de todo o tipo de objetos e artefactos que fizeram parte, até há poucos anos, da vida quotidiana da população local e de que hoje pouca gente se lembra e muita gente nem sequer identifica.
Continuando um pouco mais, a estrada principal chega à capela de S. Sebastião, onde começa a povoação de Babe, que se espalha à mão direita, dominando uma região mais ou menos aplanada, geralmente conhecida por Planalto de Babe. Babe é um lugar mítico, com particular significado na evolução histórica de Portugal. Neste local, a 26 de março de 1387, se despediu o Duque John of Gaunt de sua filha D. Filipa de Lencastre, já casada com el-rei D. João I, ficando aqui consagrada a Aliança que permitiria posteriormente, em sucessivos lances da História dos dois povos, uma cooperação profícua que seria o garante da continuidade das suas próprias independências. À semelhança da maioria das aldeias de Bragança, Babe foi terra de minérios, tais como, as pirites de ferro, uma mina de chumbo e uma mina de manganês, situada entre o termo de Babe e Caravela, criada por decreto de 8 de abril de 1880. Babe, comercial e industrialmente, foi conhecida por toda a região de Trás-os-Montes, entre outros motivos, pela fama das suas facas de bolso e cozinha, feitas por ferreiros com altos conhecimentos, segundo afirma o Abade de Baçal nas suas obras. Povoação cuja vetustez transparece no edificado e que o xisto pardo ainda mais acentua, merece uma visita. A igreja paroquial, invariavelmente edificada em granito segundo o estilo barroco corrente, ostenta na fachada lápides evocativas do régio enlace e do acordo político que alguns historiadores designam de Tratado de Babe. No largo pouco abaixo da Igreja, uma fonte de mergulho, talvez ainda medieval e, como cenário de fundo, uma fonte com bebedouro para animais e espaldar armoriado seiscentista. Os edifícios, edificados com empilhamento de xisto, incorporam nas alvenarias elementos de madeira em posição horizontal (vigas e barrotes) para distribuição uniforme das cargas, evitando assim fendilhações e assentamentos diferenciais. De facto, a necessidade aguça o engenho! Finalmente, referência a mais um museu rural, este designado Museu Etnográfico Rural de Babe.
Retorne a S. Julião para retomar a Rota. Entra em pleno planalto, suavemente modelado, com amplas vistas em todas as direções, que para nascente se prolongam até às imediações de Zamora. A estrada corre entre searas, prados e matos rasteiros de giesta e torga, revelando-se a identidade ferrugínea do solo nalguma courela lavrada que aguarda a sementeira. Nas folhas de pousio, ovelhas e cabras rasam o pasto. Passado o alto da Cerdeira, saída à direita, com baixada para Réfega, que não dista mais que quinhentos metros da estrada. A descida faz-se para a Ribeira do Escurado ou da Caravela, acompanhada agora por alguns belos exemplares de castanheiro.
Réfega é povoação pequena, mas antiga, criada a nascente da travessia daquela ribeira, que aqui alimenta um fecundo lameiro, num estratégico eixo viário que estabelecia a ligação do antigo Reino de Leão e Castela, através da fronteira de Quintanilha, com o interior do Reino de Portugal, na sua direitura a Bragança e a Chaves. Daí a opção de muitos peregrinos, que na sua caminhada para Santiago pela Via de La Plata, oriunda de Sevilha, atalhavam caminho evitando assim as serranias de Sanabria. Passa, pois, por aqui o braço português da Via de la Plata, referenciada numa lápide colocada junto à igreja pelos Amigos del Camino de Santiago de Zamora. Muito curiosa, também, é a própria igreja, de duas naves, que merece uma visita ao interior para apreciar alguns pormenores pouco vulgares, como é o caso da coluna de sustentação da cobertura na meação das naves e as insculturas da pia batismal.
Havendo tempo pode prosseguir nesta estrada até Milhão, onde uma ponte românica evoca ainda o velho itinerário jacobeu medieval.
Mas a Rota tem continuidade pela estrada que seguia antes da fugaz visita a Réfega. O planalto continua modelado e a estrada decalca uma linha de festo que vai perdendo altitude. Searas, plantações novas de castanheiros, pequenas manchas de pinhal num ou noutro ponto mais alto e, cada vez mais percetível, o vale do rio Maçãs, que corre à esquerda, fazendo fronteira com Espanha.
Depois de duas retas estiradas, indicação à direita para a pequena aldeia de Veigas e, pouco depois, nova saída, desta vez à esquerda, para Quintanilha, onde termina este troço onze, o último da Rota da Terra Fria e que foi o ponto de partida da sua digressão.