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Troço 9 | Sobreiró de Cima - Moimenta
PERFIL
- Extensão: 59.49 km
- Altitude máxima: 962m (Carvalhas)
- Altitude mínima: 473 m (Ponte sobre o Rabaçal, praia Fluvial)
Sobreiró de Cima nasceu da bifurcação das estradas de Chaves e da Lomba, junto à Capela de S. Miguel Arcanjo. Se seguir a indicação da Capela de Santa Luzia, por um estradão entre pastagens e soutos atinge o festo que delimita os vales do Tuela e do Rabaçal, dominando uma ampla panorâmica, quer sobre a Serra da Coroa, quer a sul, onde se recorta ainda a serra de Nogueira. As pastagens e os matos são pousios das centeeiras que ceifadas no final do verão ficam pejadas de corvos que grasnam e debicam na terra algum grão desperdiçado. A ermida, setecentista, tem a sua festa em agosto, com grande concurso de povo devoto à Santa que advoga “os males da vista”. Regresse a Sobreiró de Cima.
Passado o desvio para Carroceiras, a estrada começa a descer lentamente o vale do Rabaçal. Sempre a meia encosta passa junto ao lameiro de Cobelas e atravessa o ribeiro das Geleias. Já à vista das antigas minas de ouro da Jariça, desativadas há mais de sessenta anos e que ora se cobrem de disciplinados castanheiros, verá um desvio à direita que conduz a Peleias, um lugar modesto e depois a Tuizelo, este sim, a merecer absolutamente uma visita. É aqui, em Tuizelo, que se faz a romaria a Nossa Senhora dos Remédios (31 de agosto a 8 de setembro). A igreja onde se congrega a confraria é um magnífico exemplar barroco, com uma nave de avantajada dimensão, abóbada de berço pintada e bons retábulos em talha dourada e policromada, que bem atestam o apego esmoler da população.
No exterior, a amplidão do espaço, a Casa da Confraria com a sua varanda alpendrada e o fontanário de alto espaldar, prenunciam ao visitante a surpresa que o espera. A aldeia em si não parece ter-se valido da fama do santuário, nem mesmo a Igreja Matriz, que segue os cânones rígidos que tipificam a arquitetura religiosa barroca nesta região.
Voltando de novo a Peleias prossiga a descida ao Rabaçal. Pouco adiante, em Cruz de Revelhe, a estrada apresenta uma saída à esquerda para Revelhe. Em sítio próximo existiu um castelo, há muito desaparecido, de onde se desfruta uma ampla vista sobre o vale do Rabaçal, com as serras do Coelho e da Coroa nas cabeceiras. O local, sacralizado com uma capela de feição recente em honra de Santa Bárbara, protetora das trovoadas, é ermo, escabroso e coberto de mato, escondendo perdizes em quantidade.
A estrada caracoleia para acompanhar a caprichosa deambulação do ribeiro de Penso, que corre à direita e se precipita no Rabaçal, no Lombo da Pedra da Esquina. Enquanto não perdeu cota, foi ainda possível reconhecer na margem oposta, alcandorada nas alturas, a povoação de Penso e mais diluída, em segundo plano, a de Santalha. Na travessia do Rabaçal as margens são alcantiladas, com matos e carrascas a suster as terras. O rio corre esganado e impetuoso, mas propiciou a criação de uma área de lazer com praia fluvial e parque de merendas bem equipado, no local onde até há poucos anos se erguia a ponte velha, entretanto demolida. Atualmente e desde 1977, uma ponte nova, a que chamam ponte de Lomba, muito mais elevada, permitiu a regularização do traçado da via, poupando ao viajante o desconforto de apertadas curvas.
Passado o Rabaçal vai subir a íngreme encosta até ao Alto da Tremonha. Olhando a jusante ainda se consegue vislumbrar, a pouco mais de quinhentos metros, um forte esporão enlaçado por um apertado meandro do rio, em cuja crista se alcandorava um povoado proto-histórico fortificado com muralha, torreão e fosso. É conhecido pelo Castelejão de Frades, nome da povoação que lhe fica mais próxima. O mato constitui ainda o coberto principal, mas vão surgindo, quando podem firmar-se, os castanheiros, algumas oliveiras, primeiro isoladas e a pouco e pouco criando pequenos maciços e, mesmo, algumas folhas de vinha que indiciam o microclima mediterrânico, nos vales encaixados com boa exposição solar. Baterias de colmeias, bem arrumadas nas encostas, enxameiam os matos de urze e rosmaninho e acrescentam o mel à gastronomia local. Já próximo do alto, quando as vistas são profundamente alargadas e mesmo sem miradouros se descobrem os vales encaixados da bacia hidrográfica do Rabaçal, vão surgindo manchas cerradas de pinhal descendo das cumeeiras, criadas pelos Serviços Florestais para contrariar a erosão e promover a biodiversidade.
No Alto da Tremonha a estrada tem saída à direita para Gestosa, por onde, aliás, se continua a Rota. Seguindo em frente a estrada de Chaves dá ainda acesso a Frades, Edral, Vilar Seco de Lomba, S. Jumil, Brito, Ferreiros e Sandim, tudo povoações da Lomba, no extremo poente do concelho de Vinhais.
Se resolver seguir um pouco esta estrada, que desce até ao rio Mente, afluente do Rabaçal, chegará a Sandim e Segirei, esta povoação já do concelho de Chaves. Aqui, junto a uma aprazível praia fluvial, existe uma boa nascente de águas gasocarbónicas.
De novo no Alto da Tremonha siga para Gestosa. Já numa situação planáltica, os lameiros secos cultivados ou em pousio, ainda com intercalações de matos nas vertentes mais agrestes, vão admitindo em número crescente castanheiros isolados, em grupos e plantações regradas e contínuas.
Gestosa é uma aldeia antiga e limpa, na estrada velha para Santalha, não muito longe da medieval ponte do Rabaçal, um dos muitos testemunhos que atestam a remota ocupação humana desta região da Lomba.
Retomando a Rota, verá indicações para poente, de Passos e Vilar Seco, mais duas aldeias da antiga Terra da Lomba, que neste último lugar manteve ereto o pelourinho da sua jurisdição. Se aqui vier atente bem na Igreja Paroquial, enriquecida com um belíssimo frontão esculpido, contendo a imagem do orago S. Julião, e ainda nos retábulos e pinturas interiores que letreiro data de 1788. E já agora, peça para lhe mostrarem as adegas enterradas, um engenhoso processo de condicionar as agruras do clima para a conservação do vinho, enterrando-as nas encostas com meia cobertura colmaça. E se achar curioso, procure-as também em S. Jumil.
Ao sair de Vilar Seco da Lomba vire para Quiraz. Passará por Edroso, que vale pela situação excecional, muito próxima do marco geodésico de Arrasca (920 metros), com amplas vistas em todas as direções. Encontrará por aqui as primeiras casas com cobertura em lascas de lousa, que tão características são da construção tradicional de Trás-os-Montes.
O planalto vai perdendo altura à medida que se aproxima de Quiraz. Descerá lentamente com as serras do Coelho e da Coroa na frente e uma panorâmica do rio Mente à esquerda. Adiante fica Cisterna, uma pequena aldeia em xisto, praticamente sobre a fronteira com Espanha. É aqui o extremo setentrional da Lomba, o desvio do interflúvio Mente-Rabaçal, num posicionamento estratégico imemorialmente reconhecido pela população local, que já na Alta Idade Média o tinha reforçado com uma linha de fortificações de que restam ainda bastos vestígios.
Não avance para Cisterna, a menos que queira dar um salto a Espanha. Em Vilarinho da Lomba tome a estrada para os Pinheiros, que dá continuidade à Rota. Passará o Rabaçal na antiga ponte de Santa Rufina, quase duzentos metros abaixo, o que forçou o traçado da via a traineis muito inclinados, com apertados ganchos. Conduza com cautela para não desafiar o perigo. No Castilhão, a montante desta ponte de Santa Rufina, há vestígios de mais um povoado antigo, que terá sobrevivido até à Idade Média e relacionado com o culto hagiográfico que ainda identifica a ponte. Seguindo a estrada para Pinheiro Novo após uma subida acentuada, quase a chegar ao planalto, num ribeiro à sua mão direita vai encontrar um moinho de água recuperado com uma pequena queda de água, local aprazível para fazer uma paragem.
A chegada a Pinheiro Novo faz-se por poente. É esta uma das mais interessantes povoações da região pelo potencial que conserva ainda da arquitetura popular expressiva. Inserida já em área geológica predominantemente granítica, a solidez das suas estruturas quando comparadas com a das alvenarias de xisto da vizinha Lomba, é evidente. Curiosamente, ainda se pode aqui seguir, com exemplos que vão permanecendo, toda a evolução das coberturas dos edifícios, as armações de madeira cobertas com palha colmaça, as mesmas armações cobertas com placas de lousa, situações híbridas e de compromisso, o advento da telha cerâmica tipo “Marselha” com a melhoria dos transportes no princípio do séc. XX, a generalização da telha tipo “Lusa” e agora, recentemente, o recurso a novos materiais e processos de construção importados da vizinha Espanha. Merece referência uma casa senhorial no centro da povoação, fronteira a um bonito cruzeiro bifronte. A exploração mineira de ouro e estanho foi, de tempos imemoriais, o recurso económico desta região, mas hoje já todas as minas estão encerradas.
A Rota atravessa agora o vale do Assureira, vencendo um desnível de quase trezentos metros. Este percurso proporciona magníficas vistas em todas as direções, já que a estrada serpenteia pelas encostas até chegar a Contim, cortando, inclusivamente a crista quartzítica que se estende no enfiamento do Alto de Contim ao Alto de Portelas. No fundo do vale, um extenso lameiro acompanha o rio Assureira, afolhado com milheirais, hortas e vinha, com densas galerias de freixo. Nas encostas as fragas não deixam espaço senão aos matos, com esporádicos assomos de carrascas. A aldeia de Contim fica à direita, seguindo-se Seixas, de onde bifurcam saídas para Santalha e Tuizelo. Se aqui não esteve quando saiu de Vinhais, tem agora de novo oportunidade para visitar a Senhora dos Remédios.
A partir de Seixas continua a subir a serra da Coroa, a caminho de Vilarinho das Touças. À direita, o afloramento quartzítico do Seixão posicionou estrategicamente um povoado da Idade do Bronze. À esquerda, magníficas vistas sobre o vale do Assureira, tendo a serra do Coelho como cenário de fundo. Matos rasteiros e pousios de secadal preenchem o espaço que as fragas libertam e o arvoredo a esta altitude, já bem acima dos mil metros, resume-se apenas a ralos pinhais em situações menos agrestes. Assim mesmo, os nossos antepassados por aqui andaram há milhares de anos, desenhando penhascos e lajedos com enigmáticos sinais que não deciframos. Desça ligeiramente a Casares, um oásis de frescura na aridez esmagadora da serrania. Visite o povoado, que bem o merece pelo esforço posto na sua preservação.
Subindo de novo, a estrada alcança as cotas mais elevadas da serra da Coroa (1273 metros) para iniciar a baixada a Carvalhas e Moimenta. Nos barrancos e cortes dos maciços rochosos é percetível a intensa fraturação das formações xistentas, o que justifica o paciente empilhamento das alvenarias de construção. A vista é magnífica, sobretudo para norte, onde se vislumbram já os contrafortes da serra de Sanabria e um desvio à esquerda conduz a Manzalvos, a primeira povoação espanhola, já que a fronteira fica a menos de mil metros.
O planalto estende-se já com secadais e soutos dispersos. O desabrigo e o isolamento justificam de novo que as paragens de transportes públicos sejam quase fechadas e com lareira de aquecimento, como viu já na serra de Nogueira.
E nesta imensidão de vistas em que a Natureza se afirma com todo o seu esplendor, chega a Moimenta, onde se conclui mais um troço da Rota.